A expressão “suspensão da descrença” pode ser muito útil quando alguma pessoa vem nos fazer uma afirmação radicalmente contrária a tudo que acreditamos.

Quando se aproxima alguém se aproxima com pensamento contrário ao nosso, é comum se travar na resistência, já discordando dele antes de ele começar a falar. Assim não ouvimos, ou, se ouvimos, ficamos irritados, gastando energia preparando a reação com violência verbal ou física.

Quem faz assim, perde oportunidade de conhecer os pontos a melhorar em suas ideias, perde a oportunidade de dizer porque pensa diferente.

Como entender a expressão “suspensão da descrença” nesse tipo de situação?

Se discordamos de alguém, significa que descremos nessa pessoa, não temos crença nas ideias dessa pessoa. Suspender a descrença é se permitir verificar se há validade em o que ela diz.

Assim, podemos ouvi-la serenamente, sem irritação, atentos, prestando atenção em todos os detalhes de o que a pessoa diz. Quando ela terminar, teremos toda energia preservada e consciência para, racionalmente, comparar cada detalhe ouvido com as nossas convicções anteriores.

  • Podemos aproveitar as novas ideias para melhorar nosso entendimento.
  • Podemos fazer perguntas sobre o que ainda não ficou claro.
  • Podemos formular respostas sobre pontos em que nossas ideias são mais consistentes.

Assim, evitamos brigas inúteis que só causam sofrimento e tiram o foco do assunto debatido

Experimente suspender sua descrença durante

  • discussão familiar,
  • trabalhos em grupo ou na escola,
  • reuniões na empresa,
  • debates políticos etc.

Mas, lembre-se, mantenha sempre ativa a sua racionalidade para não se submeter a alguém mal-intencionado.

A racionalidade é muito importante quando há diferenças de entendimento.

A expressão “suspensão da descrença” é ideia do poeta inglês Samuel Taylor Coleridge, de dois séculos atrás. Ele não a usou para facilitar o diálogo. Esse uso que citei é uma prática que venho exercitando há anos. Com a suspensão da descrença escutei diversas crenças: religiosas, comportamentais, políticas. Cada uma com seus limites. Uma vivência que me permitiu escrever o romance Os Limites da Crença.

Coleridge usou a frase para explicar o comportamento do leitor de uma ficção. Quando lê a ficção, o leitor sabe que o personagem não existe, descrê na existência do personagem. É pela suspensão dessa descrença que o leitor aceita o drama do personagem, envolve-se com ele, torce por ele e chora quando ele morre. Morre? Mas ele não existia. Como morre?

Pois é. Assim, nos envolvemos com a ficção de novelas, filmes, livros, da religião, da política.

A expressão “suspensão da descrença” é famosa. O crítico literário americano Lionel Trilling sugere que seria uma fé científica ou método científico que explica a conduta de Freud ao ouvir os seus pacientes. Ao suspender a descrença nas alucinações de seus pacientes, Freud pode se conectar com eles e entendê-los, tendo mais facilidade de encontrar as causas dos transtornos e resgatar a saúde mental do paciente.

Freud era ateu, eu também. Suspendendo a minha descrença, posso me conectar com Deus e entendê-lo. Inclusive, resgatando a existência de Deus para os ateus.

Aliás, O Resgate da Existência é nome de meu livro anterior, com os mesmos personagens de Os Limites da Crença.

Neste livro, os personagens percebem que nosso jeito de ser e de agir pode ser modificado quando entregamos nossa autodisciplina a terceiros. É a autodisciplina terceirizada.

Quando Deus entregou sua autodisciplina à intercessão de profetas, evangelistas e santos, Deus deixou de ser o que ele era. Deus perdeu a capacidade de comunicar diretamente com as pessoas.

Hoje, Deus depende de líderes religiosos que falem por ele. Como cada líder religioso tem um objetivo diferente em suas pregações, com o tempo Deus foi fragmentado em vários pequenos deuses.

Cada religião ou cada pessoa escolhe um framento e o coloca dentro de uma bandeja, como bonsais. Assim, manipulam Deus conforme seus objetivos.

O resgate da existência dos personagens deste livro, em 2009, lhes permitiu entender os limites da crença anos depois.

Com suspensão da descrença, você pode se envolver com essas histórias, mesmo sendo ficção.

Por meio da ficção, podemos nos entender, podemos entender que nossas crenças mais consistentes podem estar fundamentadas em algo não consistente.

A suspensão da descrença, abrindo-nos para ouvir racionalmente, nos permite ver que nossas crenças estão limitando nosso entendimento.

Ouvir e pensar sobre o que nos dizem, nos pregam e nos doutrinam, é um meio de se libertar dos limites da crença.

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